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A Atualidade da Misericórdia Divina



Em abril de 2000, o Papa São João Paulo II proclamou – para ser celebrada todo segundo Domingo da Páscoa (Oitava) – a Festa da Divina Misericórdia. O tema da misericórdia é bíblico e se encontra desde o Antigo Testamento. É um ensinamento constante da doutrina da Igreja. Porém, em alguns momentos da história, alguns temas vêm com mais força pois assim necessita a humanidade. Creio que é o caso da misericórdia. Os ensinamentos dos três Papas mais recentes nos mostram isso. Poderíamos ver também nos documentos da Igreja, e em tantos outros textos como esse tema tem sido desenvolvido e valorizado. Vale a pena refletir sobre isso, sobretudo em um tempo no qual, apesar de todos os esforços da Igreja, parte da humanidade parece ter se esquecido de se compadecer da miséria alheia.


São João Paulo II, em 22 de abril de 2001, primeira Festa depois de sua instituição, disse: “celebramos o segundo Domingo de Páscoa, que desde o ano passado, ano do Grande Jubileu, também é chamado ‘Domingo da Divina Misericórdia’. É para mim uma grande alegria poder unir-me a todos vós, queridos peregrinos e devotos provenientes de várias nações para comemorar, à distância de um ano, a canonização da Irmã Faustina Kowalska, testemunha e mensageira do amor misericordioso do Senhor. A elevação às honras dos altares desta humilde Religiosa, filha da minha Terra, não significa um dom só para a Polônia, mas para a humanidade inteira. De fato, a mensagem da qual ela foi portadora constitui a resposta adequada e incisiva que Deus quis oferecer às interrogações e às expectativas dos homens deste nosso tempo, marcado por grandes tragédias. Jesus, um dia disse à Irmã Faustina: ‘A humanidade não encontrará paz, enquanto não tiver confiança na misericórdia divina’ (Diário, pág. 132). A Misericórdia divina! Eis o dom pascal que a Igreja recebe de Cristo ressuscitado e oferece à humanidade no alvorecer do terceiro milênio”.


Mais ainda: “O Coração de Cristo! O seu ‘Sagrado Coração’ deu tudo aos homens: a redenção, a salvação, a santificação. Deste Coração superabundante de ternura Santa Faustina Kowalska viu sair dois raios de luz que iluminavam o mundo. ‘Os dois raios segundo quanto o próprio Jesus lhe disse representam o sangue e a água’ (Diário, pág. 132). O sangue recorda o sacrifício do Gólgota e o mistério da Eucaristia; a água, segundo o rico simbolismo do evangelista João, faz pensar no batismo e no dom do Espírito Santo (cf. Jo 3,5; 4,14). Através do mistério deste coração ferido, não cessa de se difundir também sobre os homens e as mulheres da nossa época o fluxo reparador do amor misericordioso de Deus. Quem aspira à felicidade autêntica e duradoura, unicamente nele pode encontrar o seu segredo”.


E recordava aquele saudoso Pontífice: “‘Jesus, confio em Ti’. Esta oração, querida a tantos devotos, exprime muito bem a atitude com que também nós desejamos abandonar-nos confiantes nas tuas mãos, ó Senhor, nosso único Salvador. Arde em Ti o desejo de seres amado, e quem se sintoniza com os sentimentos do teu coração aprende a ser construtor da nova civilização do amor. Um simples ato de abandono é o que basta para superar as barreiras da escuridão e da tristeza, da dúvida e do desespero. Os raios da tua divina misericórdia dão nova esperança, de maneira especial, a quem se sente esmagado pelo peso do pecado”.


Conclui São João Paulo II: “Maria, Mãe da Misericórdia, faz com que conservemos sempre viva esta confiança no teu Filho, nosso Redentor. Ajuda-nos também tu, Santa Faustina, que hoje recordamos com particular afeto. Juntamente contigo queremos repetir, fixando o nosso olhar frágil no rosto do divino Salvador: ‘Jesus, confio em Ti’. Hoje e sempre. Amém”. Aprendamos, pois, com esse Papa Santo a dar melhor valor à Divina Misericórdia, não só, agora, em sua Festa, mas a cada dia do Ano, de um modo especial, às 15h, tida, por indicação de Santa Faustina Kowaslka, como a “Hora da Misericórdia”, hora em que o Senhor Jesus se entregou por nós na dolorosa morte de Cruz.


Em 15 de abril de 2007, ao completar seus 80 anos de vida, o Papa Bento XVI, assim refletia sobre a importante Festa da Divina Misericórdia: “O Santo Padre João Paulo II quis que fosse celebrada neste domingo a Festa da Divina Misericórdia: na palavra ‘misericórdia’, ele encontrava resumido e novamente interpretado para o nosso tempo todo o mistério da Ressurreição. Ele viveu sob dois regimes ditatoriais e, no contato com a pobreza, a necessidade e a violência, experimentou profundamente o poder das trevas, pelas quais o mundo também neste nosso tempo está afligido. Mas experimentou também, e não menos fortemente, a presença de Deus que se opõe a todas estas forças com o seu poder totalmente diverso e divino: com o poder da misericórdia. É a misericórdia que põe um limite ao mal. Nela expressa-se a natureza muito peculiar de Deus a sua santidade, o poder da verdade e do amor”.


Continua o Papa Bento: “Hoje, no Evangelho, ouvimos o mesmo: o Senhor sopra sobre os seus discípulos. Ele concede-lhes o seu Espírito o Espírito Santo: ‘Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados…’. O Espírito de Jesus Cristo é poder de perdão. É poder da Divina Misericórdia. Concede a possibilidade de iniciar de novo sempre de novo. A amizade de Jesus Cristo é amizade d’Aquele que faz de nós pessoas que perdoam, d’Aquele que perdoa também a nós, nos alivia continuamente da nossa debilidade e precisamente assim, infunde em nós a consciência do dever interior de amar, do dever de corresponder à sua confiança com a nossa fidelidade”.


Mais: “Ouvimos no trecho evangélico de hoje a narração do encontro do apóstolo Tomé com o Senhor ressuscitado: ao apóstolo é concedido que toque nas suas feridas para assim o reconhecer reconhece-o, além da identidade humana do Jesus de Nazaré, na sua verdadeira e mais profunda identidade: ‘Meu Senhor e meu Deus!’ (Jo 20,28). O Senhor levou consigo na eternidade as suas feridas. Ele é um Deus ferido; deixou-se ferir por amor para conosco. As feridas são para nós o sinal de que Ele nos compreende e de que se deixa ferir pelo amor para conosco. Estas suas feridas como podemos nós tocá-las na história deste nosso tempo! De fato, Ele deixa-se ferir sempre de novo por nós. Que certeza da sua misericórdia e que conforto elas significam para nós! E que segurança nos dão sobre o que Ele é: ‘Meu Senhor e meu Deus!’. E como constituem para nós um dever de nos deixarmos por nossa vez por Ele!”


Bento XVI aplica, então, a si mesmo a grande mensagem da misericórdia ao dizer: “As misericórdias de Deus acompanham-nos dia após dia. É suficiente que tenhamos o coração vigilante para as poder sentir. Somos demasiado inclinados para sentir apenas a fadiga cotidiana que, como filhos de Adão, nos foi imposta. Mas se abrirmos o nosso coração, então podemos, mesmo imersos nela, ver também continuamente quanto Deus é bom conosco; como Ele pensa em nós nas pequenas coisas, ajudando-nos assim a alcançar as grandes. Com o peso aumentado pela responsabilidade, o Senhor trouxe também uma ajuda nova na minha vida. Repetidamente vejo com alegria reconhecida quanto é grande o número dos que me apoiam com a sua oração; que com a sua fé e o seu amor me ajudam a desempenhar o meu ministério; que são indulgentes com a minha debilidade, reconhecendo também na sombra de Pedro a luz benéfica de Jesus Cristo”.


O Papa Francisco pode, a justo título, ser chamado, por suas palavras e obras, de “o Papa da misericórdia”. Foi ele quem abriu, em 8 de dezembro de 2015, o Ano Extraordinário da Misericórdia com a Bula Misericordiae vultus (O rosto da misericórdia), que resumia, por assim dizer a belíssima doutrina da misericórdia muito bem detalhada por São João Paulo II, em 1980, na encíclica Dives in Misericórdia (Rico em misericórdia). Escreve Francisco: “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé cristã parece encontrar nestas palavras a sua síntese. Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré. O Pai, ‘rico em misericórdia’ (Ef 2,4), depois de ter revelado o seu nome a Moisés como ‘Deus misericordioso e clemente, vagaroso na ira, cheio de bondade e fidelidade’ (Ex 34,6), não cessou de dar a conhecer, de vários modos e em muitos momentos da história, a sua natureza divina. Na ‘plenitude do tempo’ (Gl 4,4), quando tudo estava pronto segundo o seu plano de salvação, mandou o seu Filho, nascido da Virgem Maria, para nos revelar, de modo definitivo, o seu amor. Quem O vê, vê o Pai (cf. Jo 14,9). Com a sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa, Jesus de Nazaré revela a misericórdia de Deus”.


“Precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação. Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado.”


Mais adiante, escreve o Santo Padre: “‘É próprio de Deus usar de misericórdia e, nisto, se manifesta de modo especial a sua onipotência’. Estas palavras de São Tomás de Aquino mostram como a misericórdia divina não é, de modo algum, um sinal de fraqueza, mas antes a qualidade da onipotência de Deus. É por isso que a liturgia, numa das suas coletas mais antigas, convida a rezar assim: ‘Senhor, que dais a maior prova do vosso poder quando perdoais e Vos compadeceis…’ Deus permanecerá para sempre na história da humanidade como Aquele que está presente, Aquele que é próximo, providente, santo e misericordioso”.


Ainda: “A Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa. A Esposa de Cristo assume o comportamento do Filho de Deus, que vai ao encontro de todos sem excluir ninguém. No nosso tempo, em que a Igreja está comprometida na nova evangelização, o tema da misericórdia exige ser reproposto com novo entusiasmo e uma ação pastoral renovada. É determinante para a Igreja e para a credibilidade do seu anúncio que viva e testemunhe, ela mesma, a misericórdia. A sua linguagem e os seus gestos, para penetrarem no coração das pessoas e desafiá-las a encontrar novamente a estrada para regressar ao Pai, devem irradiar misericórdia”.


Irmão e irmã, convido a todos e a cada um(a), neste tempo favorável da graça de Deus, a aplicarmos, com afinco, a rica doutrina da misericórdia – que aqui recordamos dos Papas mais recentes, mas que é doutrina perene da Igreja – em nossos gestos e palavras. Com fundamento em Mt 25 (O Juízo Final), a Mãe Igreja nos assinala sete obras de misericórdia corporais e sete espirituais. São corporais: 1) Dar de comer a quem tem fome; 2) Dar de beber a quem tem sede; 3) Dar pousada aos peregrinos; 4) Vestir os nus; 5) Visitar os enfermos; 6) Visitar os presos e 7) Enterrar os mortos. São espirituais: 1) Ensinar os ignorantes; 2) Dar bom conselho; 3) Corrigir os que erram; 4) Perdoar as injúrias; 5) Consolar os tristes; 6) Sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo e 7) Rezar a Deus por vivos e defuntos.


À luz desta lista, examinemos nossa consciência a fim de sabermos se temos, ou não, sido misericordiosos com os nossos irmãos e irmãs. Santa Faustina Kowaslka interceda junto a Deus por nós a fim de que a Festa da Divina Misericórdia nos leve a ser cada dia mais misericordiosos neste mundo tão carente de provas vivas do amor de Deus. Amém.


Autor: Cardeal Orani João Tempesta

Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

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